Em 1995, Adriano Gambarini sobrevoava pela primeira vez a Amazônia. O que viu do avião marcou a sua primeira impressão da maior floresta tropical do mundo. Um tapete verde a perder de vista, atravessado apenas por rios que formavam uma espécie de teia. Grandiosidade e imponência. Quando pisou em solo amazônico, logo sentiu o calor, a umidade e um profundo acolhimento. Era a grandiosa floresta dando boas-vindas a ele.
O motivo que levou Adriano até a Amazônia foi profissional – o que viria a se repetir muitas vezes nos 27 anos seguintes. Na época, o fotógrafo trabalhava para uma revista de pesca esportiva e viajou à região de São Benedito, no sudoeste do estado do Pará, para registrar praticantes do esporte. Até hoje, é lá que está resguardada uma das áreas mais intactas da floresta amazônica.
Formado em Geologia pela Universidade de São Paulo, Adriano iniciou carreira na fotografia em 1992 e se especializou na documentação de ecossistemas, populações étnicas e cultura. Já atuou em mais de 40 países, realizou expedições para a Antártida e publicou 18 livros fotográficos. Em 2009, venceu o Prêmio Comunique-se na categoria Profissional da Imagem.
Fotógrafo permanente da National Geographic Brasil, Adriano contribui com diversas publicações nacionais e internacionais. Também participa continuamente da documentação de projetos conservacionistas e etnográficos. Diretor da Gamba Imagens, gerencia um acervo com mais de 400 mil imagens. É diretor de fotografia e roteirista de documentários, editor de arte e palestrante.
Relação com a floresta e seus povos
Depois de tantos anos, Adriano continua trabalhando na Amazônia com frequência. A entrevista para esta matéria, inclusive, aconteceu logo depois de uma temporada em terras remotas da floresta – lugares onde há muita vida, mas pouco sinal de celular ou internet. Com um olhar curioso e uma sensibilidade que transborda pelas lentes da câmera, ele nunca acreditou na estagnação. “Sempre tenho a sensação de que vou aprender algo novo.”
Quando entra na floresta, Adriano ainda se emociona ao se deparar com árvores de, pelo menos, 500 anos. As copas, muito altas, às vezes se encontram e barram a passagem da luz solar. É possível passar dias no meio da Amazônia sem conseguir ver o céu – uma experiência um tanto claustrofóbica, mas que faz o ser humano se dar conta do seu próprio tamanho diante de tamanha potência.
Para Adriano, a floresta desperta uma solidariedade extrema. Ele já precisou viajar até 30 horas de barco para chegar a comunidades de difícil acesso e foi recebido com comida farta, simplesmente porque as pessoas que moravam ali sabiam que o trajeto havia sido longo. Na Amazônia dos povos indígenas e tradicionais, os vínculos são construídos naturalmente. “Existe uma humanidade maior”, acredita o fotógrafo.
O conhecimento sobre a Amazônia corre nas veias de quem vive na floresta. As mulheres que querem deixar a pele corada utilizam tinturas preparadas com as sementes do urucum, fruto facilmente encontrado na região. Os óleos para cuidar da pele e dos cabelos são extraídos de uma ampla variedade de árvores e sementes. Riqueza que os povos originários da Amazônia aprendem a identificar e passar adiante, de geração em geração, mantendo uma relação de respeito com a floresta.
Para quem nunca teve a chance – ou interesse – de pisar em solo amazônico, essa realidade parece distante. Mas vivemos em um planeta onde tudo está interligado. Adriano é enfático: a ignorância sobre a Amazônia decorre do excesso de individualismo e de uma ganância imediatista generalizada. Mas o que acontece lá, de alguma forma, afeta todo o Brasil. “Ou as pessoas do Sudeste e dos centros urbanos acham que, só por viverem tão longe da região Norte, estão imunes aos danos ambientais que acontecem na Amazônia?”
Mudanças, impacto e uma visão sobre a bioeconomia
Ao longo de quase três décadas, Adriano presenciou mudanças relevantes na Amazônia. “Eu vejo uma gradativa destruição da floresta e de todas as suas características.” À primeira vista, o que mais fica evidente é o impacto da ampla e rápida devastação causada pelo homem. A diferença nos cenários não tem como passar despercebida, principalmente para alguém como o fotógrafo, que acompanhou a passagem do tempo em toda a Amazônia Legal, região que contempla nove estados brasileiros e toda a área do bioma amazônico.
Mas também existe o outro lado. Adriano tem visto crescer um movimento de pessoas e instituições que querem fazer alguma coisa para preservar a floresta. Muitas delas se engajam ativamente na busca por soluções para o avanço econômico e a modernidade interagirem com o bioma de maneira sustentável. “Essa questão da importância da Amazônia para o planeta não é um papo metafísico. É real, científico e comprovado. O clima é regido pela dinâmica da floresta amazônica e isso afeta todo o país”.
Uma das alternativas ao sistema produtivo predominante, que degrada ecossistemas como a Amazônia, está na bioeconomia – modelo que propõe o desenvolvimento de produtos com alta tecnologia e valor agregado utilizando recursos da biodiversidade brasileira. Pela experiência com comunidades extrativistas, Adriano acredita que as cadeias produtivas precisam ser bem estruturadas, gerando devolutivas econômicas para a população local e respeitando os limites de regeneração da floresta.
Não há como desassociar a Amazônia dos povos indígenas, tradicionais e ribeirinhos. “As únicas pessoas que podem manter a floresta em pé são aquelas que vivem lá.” Para Adriano, um bom exemplo de trocas benéficas dentro de cadeias produtivas está na extração de óleo de copaíba. Antigamente, o método usado era o corte da árvore. Hoje, as comunidades retiram o óleo por meio de um furo no tronco. “Esse conhecimento chegou lá por meio de instituições que capacitam as pessoas para fazer extrativismo sustentável.”
O fotógrafo defende que a longevidade da Amazônia – e das cadeias produtivas associadas a ela – depende de uma preocupação com a origem dos recursos. Ou seja, com o trabalho das pessoas que estão na ponta do processo, lidando diretamente com a floresta. “As empresas precisam saber como a extração está acontecendo e oferecer condições para que isso ocorra da melhor forma possível.”
Um apelo pelo nosso futuro
Como fotógrafo brasileiro que mais documentou a Amazônia, considerando as múltiplas facetas ambientais, sociais e culturais da região, Adriano espera um futuro com mais consciência. Ele lembra que existe uma equação simples: se continuarmos a derrubar um bioma responsável pela produção de chuva para plantar monocultura, vai faltar água em todo o Brasil – inclusive para irrigação da própria monocultura. Não faz sentido.
Talvez um bom ponto de partida seja entender que a floresta tem uma sabedoria intrínseca de autorregulação. Isso quer dizer que a Amazônia encontrará uma saída para lidar com o que estamos causando a ela. Quem sofrerá consequências drásticas seremos nós. Em dezembro, Adriano embarca pela quarta vez no ano para a floresta, e o que ele já aprendeu de tantas vivências pode ser a base de uma transformação. “A nossa relação com a Amazônia precisa ser mais orgânica. Quando eu falo orgânica, é no sentido de vida.”
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As fotos deste Artigo, assim como as do do Report e do Artigo “Beleza da Amazônia: legislação, ingredientes e marcas ativas na floresta” (leia o artigo aqui) são de Adriano Gambarini,
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