Uma das palavras mais faladas globalmente, nas últimas décadas, com certeza é sustentabilidade. Do latim sustentare, ao pé da letra significa sustentar, no sentido de favorecer, apoiar, proteger, conservar, cuidar.
A palavra virou um conceito sobre a saúde do Planeta, fazendo referência ao conjunto de práticas – econômicas, sociais e ambientais – que impactam no uso dos recursos naturais para suprir as necessidades e demandas das sociedades atuais, sem comprometer as futuras gerações.
Uma conta difícil de fechar, visto que os recursos naturais são finitos e nossas sociedades os tratam como infinitos. A população mundial não para de crescer e os recursos naturais estão cada vez mais explorados. Estamos levando à exaustão a capacidade de renovação do Planeta.
Para se ter ideia, em 2019 já seria necessário 1,75 planeta para sustentar o padrão global de consumo. Em 2020, com a chegada da pandemia e o fechamento de atividades industriais, comércio e lockdowns em todos os países, ainda assim esse padrão não baixou significativamente, passando para 1,6 planeta.
Ano passado, no dia 29 de julho, alcançamos o dia da sobrecarga na Terra. Isso quer dizer que, em apenas meio ano, já havíamos gasto todos os recursos renováveis necessários para ‘sustentar’ a nossa sobrevivência, incluindo aí água, minérios, consumo de alimentos (animais e plantas), combustíveis fósseis, entre outras atividades humanas de alta pegada ecológica.
Estamos em abril de 2022, e continuamos no vermelho.
O Planeta sofre com altíssimos índices de desflorestamento, perda de biodiversidade, erosão dos solos, poluição das águas, destruição de nascentes e emissões de dióxido de carbono na atmosfera.
A ação humana está nos conduzindo ao colapso climático. Já sofremos com grandes secas, inundações, incêndios e furacões cada vez mais graves, que levam a deslizamentos de terra, perdas na capacidade de produção, encarecimento de alimentos e itens de primeira necessidade, miséria e fome a nível mundial.
Como reverter esse crédito negativo? Precisamos urgentemente começar a repensar a sustentabilidade da produção e do consumo, nossas rotinas, hábitos e desejos.
Sustentabilidade: dos 4 R’s ao ‘ESSES’
A educação para a sustentabilidade já nos ensina, há muitas décadas, que é importante cuidarmos do ‘que’, do ‘quanto’ e de ‘como’ consumimos. Os 4 R’s básicos nos mostram, de forma bem resumida, a importância de:
- Repensar – avaliar, antes de comprar, se realmente precisa daquele item.
- Reduzir – o consumo individual, escolhendo bem o que e quando comprar.
- Reutilizar – dar nova vida e longevidade aos itens adquiridos.
- Reciclar – fazer o descarte seletivo correto para reprocessamento dos materiais.
Mas precisamos entender que sustentabilidade é um conceito sistêmico, que vai muito além do consumo consciente, e está relacionado à continuidade de processos em várias dimensões das atividades humanas:
- Ecológico-ambiental: visa combater a exploração indiscriminada da natureza, reduzir queimadas, desflorestamento, desperdício de água e garantir a proteção da biodiversidade. Ações concretas para diminuir a emissão de gases de efeito estufa e para reduzir os impactos gerais das atividades humanas e comerciais sobre o meio ambiente.
- Social: tem seu foco nas pessoas e na obtenção e manutenção do bem-estar das comunidades. Inclui a diminuição das desigualdades sociais por meio do acesso a serviços de saúde básicos, educação, lazer. Políticas públicas que apoiem a inclusão e a diversidade. Programas de geração de renda, mentoria a pessoas e apoio a negócios locais, incentivos culturais, entre outros.
- Empresarial: visa garantir que um negócio permaneça rentável com responsabilidade socioambiental, boa governança, gestão de riscos e compliance, investimentos no capital físico, financeiro humano e intelectual, combinado aos interesses de acionistas e stakeholders.
- Econômica: busca a gestão responsável, ética e transparente da relação com o meio ambiente, por meio de métodos produtivos mais eficientes, e menor consumo dos recursos naturais. Investimentos em inovação e desenvolvimento de novos modelos de negócios, como os que levam em consideração a circularidade dos materiais, produção local, entre outros.
- Segurança Alimentar: tem por objetivo garantir uma cadeia de produção e distribuição responsável, com menor desperdício de água e energia. Faz uso de mão de obra local, manejo correto do solo, aproveitamento eficiente de diferentes culturas no mesmo espaço. Busca a construção de comunidades humanas ecológicas e sistemas agrícolas estáveis para garantir segurança alimentar.
Pensar global, agir local: surgem economias alternativas
Seguindo o paradigma da sustentabilidade, surgiram novas visões de modelos econômicos que podem favorecer o desenvolvimento com menor impacto ambiental, como as economias solidária, circular e criativa.
A economia solidária preconiza a redução das desigualdades sociais por meio da distribuição do lucro. Um modelo não competitivo, associativo e cooperativista, organizado igualitariamente pelos que se associam para produzir, comercializar, consumir ou poupar. Fortalece a comunidade local e participativa.
O modelo de economia circular trabalha com a ideia de redução e reaproveitamento dos resíduos gerados pela atividade industrial para a criação de novos insumos. Esse modelo tem por premissa o ‘ecodesign’, que pensa em todo o ciclo de vida do produto, e busca garantir a sua reciclagem ou sua reutilização no próprio negócio ou em outra cadeia produtiva.
Já a economia criativa trata de produtos e serviços resultantes do capital intelectual, criados para melhorar, inovar ou resolver problemas. São em sua maioria empresas dos segmentos de mídia, tecnologia, design e cultura, que se identificam com os movimentos e tendências da inovação. Embora possam ser de alcance global, têm um impacto local enorme.
Todas essas visões de economia voltadas para reduzir, reciclar e reutilizar materiais, distribuir melhor o lucro e gerar qualidade de vida para as comunidades locais, bem como promover soluções inovadoras e criativas para os problemas do mundo, são necessárias e importantes. Mas não bastam.
Atualizando as definições de sustentabilidade
Vivemos, atualmente, tempos extremos que demandam maior assertividade de pessoas, corporações, empresas, chefes globais, governantes, líderes espirituais e acadêmicos, no sentido de amplificar o pensamento ecológico para alavancar um tipo de desenvolvimento econômico mais consciente e ecoeficiente. Ainda mais conectado e sinérgico com as demandas da natureza, e não com as nossas.
Um pensamento raiz, que os povos originários já nascem sabendo e que nós, cidadãos nascidos dentro de um sistema capitalista selvagem, nos esquecemos ou negamos.
Precisamos urgentemente nos reinserir na cadeia produtiva da natureza, de forma que possamos contribuir efetivamente para o reequilíbrio dos ecossistemas, como parte integrante que somos dessa intrincada relação de existência, vida, morte e renascimento.
Não podemos mais pensar em meio ambiente como algo externo a nós, do qual apenas extraímos recursos sem dar nada em troca. “As árvores somos nós”, lembra? Nunca foi meme, era memória ancestral.
O termo sustentabilidade ficou desgastado, enfraquecido pela constante demanda do crescimento econômico insaciável. Como, então, conciliar o desenvolvimento e progresso humanos com a finitude dos recursos naturais?
Já sabemos a importância de ressignificar o que é suficiente para cada um (consumidor, produtor, investidor) e, mais amplamente, o que é bom para o coletivo, cidades, países. Atualizar as definições de necessidades e desejos, rever a cultura do excesso, do desperdício e da exploração industrial sem compromisso com a realidade natural.
Um caminho mais sustentável aponta para a regeneração.
É urgente fazermos movimentos específicos em direção à recuperação de solos, florestas e cursos d’água. Priorizar a produção de energia renovável, para a qual já temos conhecimento e tecnologia, e fazer dela nossa principal fonte de abastecimento. E necessitamos rapidamente investir na regeneração das culturas e economias locais, que foram esmagadas pela globalização.
Com uma visão sistêmica do funcionamento da natureza, passamos a nos enxergar e a agir como parte da engrenagem circular da vida: usufruindo e devolvendo de forma equilibrada. A regeneração dos ecossistemas é, atualmente, a solução mais eficiente, embora não a mais rápida ou fácil.
Para nossa própria sobrevivência, precisamos de uma mudança profunda na forma como pensamos sobre nós mesmos, nossos relacionamentos uns com os outros, com as outras espécies e com a vida de forma geral.
É urgente assumirmos que somos a natureza em ação e que devemos trabalhar pela regeneração ambiental ad continuum.